Novas leituras

Nos últimos dias, vi alguns sites e livros que em breve merecerão comentários aqui, pois têm tudo a ver com o tema deste blog. Por ora, menciono apenas os títulos e links:

Car Busters – Journal of the Car-Free Movement | Blog

World Car Free Network

Feetfirst: Promoting Walkable Communities | Facebook

Choose Your Way Bellevue Blog | Facebook

World Streets: The New Mobility Agenda

World Transport Policy and Practice

Undriving (Facebook)

“Ned Ludd” (org) [escolha engraçada de um pseudônimo… veja aqui quem foi o Ned Ludd original] – Apocalipse Motorizado: A tirania do automóvel em um planeta poluído. 2a. ed. São Paulo: Conrad, 2005.

Duas entrevistas com o organizador: uma em texto e outra em áudio.

Comparando perspectivas sobre mobilidade

León Ferrari, "Autopista del sur" (1982/1997)

Pode ser um exercício intelectual e político muito interessante e esclarecedor comparar perspectivas diferentes sobre um mesmo tema — neste caso, a questão do transporte e da mobilidade. Reuni alguns textos, que delimitam quatro pontos de vista bem diferentes sobre o assunto — o ponto de vista das montadoras, o das empresas de transporte de carga, o de uma urbanista de esquerda, e o da comunidade científica, via grande imprensa semanal — que chamei de perspectivas A, B, C e D.

É fascinante observar como, dependendo do autor e/ou da parte interessada em cada caso, podemos distinguir abordagens bem diferentes, que se valem de conceitos diferentes — ou então definem diferentemente os mesmos termos –, privilegiam certos aspectos, à custa de outros — diferentes de caso para caso, — e empregam argumentos diferentes para defender as suas teses. Veja por si mesmo(a) e tire suas conclusões.

Perspectiva A:

Perspectiva B:

Perspectiva C:

Perspectiva D:

A análise crítica destes textos — identificando seus conceitos, argumentos e implicações — fez parte, originalmente, de uma atividade da disciplina de Pensamento Crítico que ministrei na Universidade Federal do ABC em 2011.

Brincando com o Google Earth, Parte 2

Em um post anterior, examinamos como o Google Earth exibe locais como o Pico do Jaraguá e a Serra do Mar. Agora, radicalizemos. Para ver como o Google Earth lida bem com o relevo, vejamos o que acontece no caso deste “morrinho” aqui. Quem encara uma caminhada por estas bandas, levante a mão. 🙂 Não tem estacionamento nem serviço de valet por perto… 🙂

Nada mau, hem? Claro que, como se trata de uma região muito especial da superfície terrestre, o Google Earth mobiliza dados de GIS (Graphical Information System) muito detalhados, para construir seu DEM (Digital Elevation Model) e exibir a renderização — o que não ocorre com o mesmo detalhamento relativamente a todos os locais. É interessante observar como os créditos mudam à medida que a gente move os controles. Imagine a quantidade de dados digitalizados que são necessários, e de quantas fontes diferentes eles são obtidos.

No começo ou no final de toda caminhada…

… sempre há uma padaria. Pessoalmente, tendo a ver uma boa padaria como um oásis, um ponto fixo na mutabilidade maluca do cotidiano, uma estação de apoio, um ‘sistema integrado de suporte de vida’. Ali se conhece a vizinhança, provam-se as especialidades da casa, bate-se papo, mata-se a fome, mata-se o tempo, organizam-se as idéias, têm-se novas idéias, espera-se a chuva passar, observa-se o movimento da rua, lê-se o jornal, descobrem-se às vezes iguarias e produtos únicos, que só existem ali… E, principalmente, em uma padaria pode-se saborear um bom café expresso (a rigor, “espresso“, com “s“, que em italiano significa “espremido” ou então “expedito, rápido”). Este é, na minha opinião, o ponto principal, o fulcro, em qualquer padaria (além do pão na chapa). Quer para dar um ânimo extra antes de iniciar a caminhada, quer para reanimar, depois de vários quilômetros com subidas e descidas, um café (curto, de preferência) é indispensável.

Sou muito cético em relação a cafés moderninhos e franquias. Posso estar sendo romântico demais, mas penso que para fazer um bom café é preciso ter raízes, experiência acumulada de décadas, bem como simplicidade. As cafeterias ditas “de grife” — na minha opinião — raramente conseguem servir um café que se compare com um expresso bem tirado tomado em pé no balcão de uma boa e honesta padaria. (Nem falar em Starbucks, que para mim é uma prova cabal de como os americanos — que também têm lá suas muitas qualidades, assim como enormes defeitos — são capazes de pegar uma coisa boa como o café e transformar em algo abominável.)

Eis algumas das minhas preferidas — que, após muitas e muitas visitas, não me despontaram:

  • Euroville – Rua Tavares Bastos com Rua Cotoxó – Pompéia
  • Villa Real – Rua Carlos Vicari (continuação da Guaicurus) com Venâncio Aires, em frente à praça dos Inconfidentes – Lapa
  • Villa Grano – R. Fradique Coutinho com Rua Wisard, vizinha do Bar Empanadas e da Galeria Millan – Vila Madalena, aberta 24h
  • Dona Deôla – Rua Pio XI com Cerro Corá, em frente à Fapesp – Alto da Lapa
  • Brasileira – Rua Dr. Fláquer, São Bernardo, e Rua das Figueiras, Santo André
  • Bella Paulista – Rua Haddock Lobo com Luís Coelho, atrás do Colégio São Luís – Cerqueira César
  • Casablanca – Avenida Santo Amaro, entre a Afonso Braz e a Hélio Pellegrino, ao lado da FMU
  • Palácio do Pão – Rua Itamarati, em frente ao Ramalhão – Pq. Jaçatuba, Santo André

Villa Grano (fonte: http://www.totalspguide.com)

Estas se revelaram, na minha avaliação, em suma, padarias extremamente honestas. Quase todas elas, dir-se-ia, devido à sua variedade e fartura, talvez caíssem dentro daquela categoria das chamadas “superpadarias” — mas evito usar esse termo, porque, na imprensa, ele acabou adquirindo uma certa conotação de “padaria de bairro chique” — e, se há um aspecto que não me diz nada, e do qual, por sinal, quero distância, é esse. Bem, cada uma delas tem o seu detalhe especial: uma tem um suco delicioso feito na hora, outra tem um bom bufê de almoço, uma tem um pão na chapa espetacular, outra tem uma boa adega de vinhos, uma tem uma pizza saborosa (algo que, alas, eu não costumo saborear, pity…), outra tem um boa carta de cervejas, uma tem lanches suculentos e apetitosos… Todas têm bom café, preços (mais ou menos) justos, atendimento (quase sempre) ágil e banheiros limpos.

Bem, nem é preciso dizer que, uma vez estando a ida à padaria acoplada a uma caminhada, cumpre exercitar uma certa moderação, de modo a não “enfiar o pé na jaca”, como se diz, cedendo às maiores tentações oferecidas pelo estabelecimento em questão, e colocar a perder tudo aquilo que se conseguiu com a atividade física…

Mencionei acima o pão na chapa. Este também é um item que precisa ser analisado com a maior seriedade. Assim como o café ex(s)presso, o pão na chapa define uma enorme gama, um amplo espectro, em termos de qualidade — pode variar do sublime ao simplesmente intragável. Mas isso fica para outro post…

Um pequeno passo para o ser humano…

Quanto aos calçados apropriados para caminhada urbana, uma coisa é certa: é absolutamente indispensável que eles sejam de cano alto, para proteger bem o tornozelo. E que tenham solado largo, com uma grande área de contato com o solo, para maximizar a estabilidade — nada de calçados com solado estreito. De preferência, dos bons fabricantes de calçados ditos “de aventura”, como Salomon, The North Face, Caterpillar, Timberland. Há também outras marcas mais econômicas, mas razoáveis, como Hi-Tec e Bull Terrier; porém os seus solados moldados são ocos por dentro, e se gastam rapidamente — durando menos de um ano, caso se faça caminhadas longas com regularidade. Importante: nem pensar em usar aqueles tênis levinhos ditos “de corrida”. Eles podem servir para o ambiente protegido e domesticado das academias, porém aqui fora é o mundo real, cheio de irregularidades, pedras soltas, degraus, raízes aparentes e outras anfratuosidades. E não queremos ter que lamentar uma torção de tornozelo, não é?

Uma boa calcanheira de silicone também pode ser útil, pois ajuda a minimizar o impacto. Calçados com solado de ar, como os da Nike e de alguns fabricantes de calçados de aventura, além dos chamados “sapatênis”, também não são recomendados neste caso, porque, segundo constatei, comprometem a estabilidade. A linha Stabil da Adidas, para handebol, poderia parecer uma boa possibilidade, uma vez que, com eles, é praticamente impossível torcer o pé (algo que resulta muito importante naquele esporte, cheio de acelerações e desacelerações laterais bruscas); o problema é que eles possuem apenas cano baixo, o que os torna adequados somente para terrenos estritamente planos; além do mais, verifiquei que, no meu caso específico, a posição do calcanhar não é boa, provocando dores. Um antigo modelo de tênis para basquete da Adidas, que tive anos atrás, era fabuloso para caminhadas — aliás foi precisamente naquela época, calçando-o, que comecei a consolidar o hábito de caminhar mais regularidade e intensidade. Aquele modelo tinha solado alto nas laterais, costurado — os atuais, voltados para ambientes indoor, às vezes nem sequer têm solado lateral — alto amortecimento e calçava como uma luva. Não consegui encontrar, entre os atuais calçados de basquete, nenhum que fosse semelhante.

De todo modo, há alguns dias criei coragem e resolvi fazer um upgrade em termos de calçados para caminhar pela cidade. (O anterior, uma velha bota tipo adventure, havia cumprido sua última missão, nas férias, fazendo trajetos por volta de 6-8 km em Juréia e Peruíbe, e aposentou-se precocemente por desgaste excessivo, após menos de um ano de uso.) Chegando eu a uma loja especializada em aventura, trilhas, camping etc, minha primeira reação foi engolir em seco com os preços. Fiz um teste com a americana The North Face, com solado tipo Vibram. Além de ser uma das mais caras, não dava muita sensibilidade na pisada; assemelhava-se a um trem de pouso do módulo lunar: quase indestrutível, capaz de enfrentar qualquer terreno, mas era muito rígida. A idéia, segundo me pareceu, é poder fincar o pé e ficar tranquilo de que ele vai ficar cravado ali até que se resolva tirá-lo dali, sem resvalar jamais — ora, isso talvez seja bom em se tratando de lamaçais e trilhas no mato, com pedras, mas não é para ambiente urbano. Acabei escolhendo uma Salomon Mission GTX, que é muito mais técnica, altamente anatômica e te dá, ao mesmo tempo, um forte respaldo para o pé, um bom grip em terrenos variados, e ao mesmo tempo permite sentir o terreno com muita precisão. Parece ter uma boa constituição e ser elaborada com bons materiais. Espero que o solado dure e cumpra as expectativas. Enfim, nos primeiros dias de uso a Salomon (vista na foto ao lado) está parecendo ser bastante boa.

Pico do Jaraguá e Usina Henry Borden com o Google Earth

O Google Earth permite fazer uma subida virtual ao Pico do Jaraguá. Já fiz essa subida na realidade por duas vezes — sempre a pé, é claro — e espero nestas férias de verão 2011-2012 fazê-lo de novo. São 5 km de pura subida, antecedidos de um trecho de 1 km desde a Vila Nova Esperança, na Estrada Turística do Jaraguá, até a entrada do Parque. Um caminho muito agradável, as árvores quase se fecham por sobre a estrada, formando um túnel. Em uma das vezes, o tempo que fazia no dia combinava garoa e sol, condições absolutamente perfeitas para uma caminhada como essa.

Veja com o Google Earth como é o caminho. (Você precisa ter o plugin gratuito instalado.) Clique no link “View Larger Map” abaixo da imagem e, na janela que se abre, clique no botãozinho chamado “3D”. O Google Earth simula bem o relevo. Dando uma pausa (botão no canto inferior esquerdo) e usando o controle do olhinho, é possível dar um giro de 360 graus no topo do pico e ver toda a cidade em volta.

Com o Google Earth pode-se simular os roteiros mais variados. Por exemplo, uma excursão de Santo André (Praça IV Centenário, onde fica a prefeitura) até o pé da tubulação da usina Henry Borden, em Cubatão — uma incrível obra de engenharia, já por si mesma uma visita que merece ser feita. De novo, é muito interessante o modo como o Google Earth trata o relevo — no caso, a descida da Serra do Mar pela Anchieta. (Claro, este é um trajeto longo e íngreme demais para uma caminhada comum.) Muito mais bacana do que qualquer GPS.

A cidade tridimensional

Só comecei a ter realmente consciência do relevo e da superfície da cidade — a paisagem, como diz o geógrafo — quando passei a caminhar por ela. É como se o deslocamento por meios motorizados fosse gradualmente suprimindo uma dimensão inteira do espaço da cidade — a dimensão vertical. É como se o carro reduzisse a cidade a uma superfície meramente bidimensional, que precisa apenas ser cruzada de lá para cá. Como no mindset motorizado somente o destino importa, o percurso em si — com toda a riqueza de seus ‘acidentes’ geomorfológicos e seus múltiplos pontos de vista — passa a ser relegado ao estatuto de mero transtorno, apenas mais uma amolação.

A Avenida Sumaré...

... entre as colinas do bairro.

O caminhante, por outro lado, é capaz de recuperar essa dimensão suprimida. As colinas da Pompéia e de Perdizes, o sobe-e-desce da Vila Madalena, as encostas dos vales na Freguesia, no Alto da Lapa e em Pinheiros… Tudo isso dá às caminhadas uma riqueza, uma variedade extraordinária. É possível sentir a cidade, mais do que atravessá-la.

Mapa de relevo do Atlas Ambiental do Município de São Paulo (aqui o negativo, pois o positivo resulta difícil de visualizar)

A cidade de São Paulo tem, na realidade, uma estrutura que, em termos gerais, é aproximadamente a seguinte. O todo da região metropolitana faz parte do planalto atlântico. A região central da cidade é um espigão central cujas duas faces ou vertentes mais nítidas — norte e sudoeste — descem até as planícies dos dois principais rios, dividindo as suas bacias — o Tietê, que corre no sentido leste-oeste, e o Pinheiros, no sentido oeste-sul (após a inversão. A região da rua Cerro Corá, por exemplo, permite enxergar, a partir de uma mesma posição, os vales do dois rios, conforme se olhe para o norte ou para o sul.

O espigão central é perfurado artificialmente pelo túnel da avenida Nove de Julho.

A planície aluvial do Tietê, muito mais ampla do que a do Pinheiros, recebe também o desaguar dos rios Tamanduateí e Aricanduva, que correm quase paralelos na direção sudeste-norte. A vertente direita do Tietê (Casa Verde, Freguesia do Ó, Santana) e a vertente esquerda do Pinheiros (Morumbi, etc) são formadas por colinas altas e flancos íngremes, num perfil muito diferente das outras vertentes (o Butantã e a Cidade Universitária são exceções a essa regra). Os meandros labirínticos originais do Pinheiros, ao longo do vale, foram todos suprimidos pelas obras de retificação. Como sabemos, o sentido do rio pode ser invertido e “desinvertido” pela usina elevatória da Traição e pela barragem instalada no Tietê. (Quando a poluição ainda não era tão assustadora, podia fazer sentido levar a água do Pinheiros para a represa Billings, para reforçar a geração de energia por meio da Usina Henry Borden, no pé da serra, em Cubatão — hoje já não mais.)

O Pico do Jaraguá e a Serra da Cantareira...

...vistos do Alto da Lapa, perto da Ponte Anhanguera.

O sítio todo da área metropolitana está encaixado entre os contrafortes da Serra da Cantareira, ao norte — com o ponto extremo, o Pico do Jaraguá, a noroeste — e o maciço da Serra do Mar, ao sul.  Do bairro da Lapa se pode ver com clareza a Cantareira abraçando toda a região oeste. De alguns pontos da área metropolitana é possível enxergar as duas serras ao longe — por exemplo, na Paulista ou nas partes mais altas de Santo André.

O clássico livro do geógrafo Aziz Ab’Saber, Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo (aliás uma obra de juventude), funciona como um guia nesse processo de reeducar a nossa percepção.

Ter consciência dessa tridimensionalidade, do relevo da cidade nos ajuda até a nos orientarmos quando acontece de nos perdermos. Para onde a face desta colina está voltada? Para o lado de lá? Então para lá deve estar o rio tal, logo aqui em frente deve ficar o bairro tal, ao lado o bairro tal, daqui posso chegar a tais avenidas e praças… E assim por diante.

A cidade é um texto. A sabedoria ancestral das águas que já correram por toda esta região, ao longo de milhões de anos, tratou de deixar para nós esses marcos, esses indicadores gravados. Precisamos voltar a lê-los.

Fotos do Moving Planet SP 2011

A manifestação associada ao movimento Moving Planet (deflagrado pela ONG 350.org) ocorreu em São Paulo no dia 24/09/11 (na mesma semana do Dia Mundial Sem Carro e do Desafio Intermodal 2011). A passeata reuniu cerca de 500 pessoas, num trajeto que partiu do MASP, seguiu pela Av. Paulista e pela Rua da Consolação, e terminou no espaço Matilha Cultural.

O símbolo da manifestação era a bolha:

…bem entendido: saia da sua bolha — o automóvel…

A concentração inicial foi no vão livre sob o MASP…

… e o grupo fez uma escala na esquina daPaulista com a Consolação.

A manifestação teve o apoio da bateria…

… que fez uma parte do aquecimento debaixo do ‘domo geodésico’.

Alguns personagens da passeata:

Veja também o vídeo do Moving Planet SP 2011, e mais fotos aqui e no Flickr.