O caminhante da Lua

Morreu hoje, aos 82 anos, Neil Alden Amstrong, o primeiro ser humano a caminhar sobre a superfície de outro corpo celeste. Armstrong, originalmente um piloto naval, foi piloto de testes antes de se tornar astronauta em 1962. Voou sete vezes no avião-foguete hipersônico X-15, chegando a alcançar altitude de mais de 207000 pés ou 63 km. Como astronauta, participou das missões Gemini 8 (1966) e Apollo 11 (1969), ambas como comandante.

http://www.nasa.gov/topics/people/features/armstrong_obit.html

http://www.nytimes.com/2012/08/26/science/space/neil-armstrong-dies-first-man-on-moon.html?_r=1&hp

Código florestal: Decisão sai nas próximas horas

[ATUALIZADO EM 25/05] Agora é para valer. Deve sair dentro de horas a decisão da presidenta Dilma Rousseff sobre o Novo Código Florestal, talvez até mesmo hoje (quinta-feira, 24/05). A tendência é de que a presidenta efetue vetos ao projeto aprovado na Câmara. A questão é a extensão que terão esses vetos. O Planalto tem dado prioridade e se concentrado nesta questão, com reuniões extras e conversações incessantes, deixando de lado, temporariamente, outros temas polêmicos. Diversas entidades defendem o veto total ao texto da Câmara, argumentando que ele representa um retrocesso em relação ao texto do Senado.

Dez ex-ministros do meio ambiente do Brasil publicaram texto na página de opinião do jornal Folha de São Paulo. Leia a íntegra do documento aqui. Os ex-ministros fazem referência ao abaixo-assinado com quase dois milhões de votos de cidadãos pedidndo que a presidenta vete o projeto. Há um mês, vários dos ex-ministros haviam subscrito um documento crítico em relação ao encaminhamento dado aos preparativos para a Rio+20.

Em posts anteriores deste blog já tratamos do tema do Código Florestal. Uma nota divulgada no mês de abril pelo Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, pedindo o veto total ao projeto, está no site do WWF, e o Greenpeace promoveu durante os últimos meses a campanha “Veta, Dilma”. Dois infográficos úteis para entender a questão estão aqui e aqui.

Emoções urbanas

O simpósio Emoções urbanas: um simpósio sobre o estresse e a cidade (Urban Emotions: A Symposium on Stress and the City) acontece na semana que vem na School of Geography at Queen Mary, University of London, e visa promover uma reflexão, desde múltiplos pontos de vista, sobre as possíveis relações entre vida urbana e psicopatologia. A programação está disponível no site da universidade.

Fonte: Prof. Rhodri Hayward, via lista de divulgação MERSENNE.

O pedestre como objeto de modelos matemáticos

Quero destacar dois artigos e um livro sobre esse tema, de que tomei conhecimento recentemente — todos eles baseados em conjuntos de pressupostos teóricos bem diferentes:

(1) O artigo de Fridman & Kaminka, “Modeling pedestrian crowd behavior based
on a cognitive model of social comparison theory”
, publicado na revista Computational and Mathematical Organization Theory em 2010 (v. 16, n. 4, pp. 348-372) propõe um modelo matemático para o comportamento de aglomerações de pedestres baseado nos pressupostos da Teoria da Comparação Social de Festinger. [*]

(2) O artigo de Hui Xi, Young-Jun Son e Seungho Lee, “An integrated pedestrian behavior model based on extended decision field theory and social force model”, também de 2010, saiu nos Proceedings da 2010 Winter Simulation Conference, editados por B. Johansson et al e publicados pelo IEEE.

As referências bibliográficas de ambos os artigos são preciosas, e abrem uma porta de entrada para uma literatura surpreendentemente vasta e interessante.

(3) Finalmente, quero destacar um livro também recente, Pedestrian Behavior: Models, Data Collection and Applications, editado por Harry Timmermans (Bingley, UK: Emerald, 2009), cheio de artigos provocativos, como o de Schadschneider e Seyfried, que utiliza o paradigma dos autômatos celulares (algo que eu — formado nos anos 80, lendo Stephen Wolfram — pessoalmente adoro).

Estudar a mobilidade urbana e o pedestre situando-os como objetos de investigação científica e de modelagem matemática e computacional não deixa de ser uma abordagem no mínimo estimulante.

Em uma outra ocasião, espero postar algo sobre modelos matemáticos do trânsito.

[*] Vale lembrar que a outra célebre teoria de Festinger, a da Dissonância Cognitiva, recebeu uma reconstrução — na terminologia antiga, dir-se-ia que foi “axiomatizada”, mas o termo não é totalmente adequado aqui — nos moldes da metateoria estruturalista, por Rainer Westerman no volume editado por Balzer, Sneed & Moulines, Structuralist Theory of Science: Focal Issues, New Results.

Contagem regressiva para o código florestal

O relatório do deputado Paulo Piau sobre o novo Código Florestal — que ditará os rumos da votação na Câmara — é esperado para as próximas horas. Um xadrez complicado, cheio de incertezas e prenhe de desdobramentos imprevistos está sendo jogado em Brasília. As dúvidas se acumulam:

  • Manter o texto aprovado no Senado, que incluiu alguns dispositivos que aparentemente mitigam os danos ambientais liberados pelo texto da Câmara, e reestabelecem o caráter de efetiva lei ambiental?

E fica cada vez mais difícil discernir quem está de que lado:

Finalmente:

Um infográfico da Folha mostra quem, onde e quanto vai ser anistiado com o novo código florestal.

Novas vítimas da guerra no trânsito

Fonte: Senator BlogstetterNão se pode deixar de mencionar a verdadeira onda de atropelamentos de ciclistas e pedestres, por automóveis e ônibus, que vem crescendo nos últimos meses em várias cidades brasileiras. Algo está muito errado na maneira pela qual os veículos vêm usando o direito de usar a via — que deveria ser interpretado como um direito que lhes foi cedido pelo pedestre, que é a condição mais básica do cidadão.

O que se observa é que os ciclistas, os pedestres e os corredores estão, cada vez mais, sendo vistos como as “espécies mais baixas” na “cadeia alimentar” desse trânsito conflagrado no qual vivemos. Esse comportamento agressivo é reforçado pela relação psicanaliticamente complicada que muitos brasileiros ainda têm com o carro — aliás, um tema que soa surpreendentemente antigo, quando dito em pleno 2012, mas que ainda é válido.

Não quero generalizar, mas a experiência cotidiana me mostra (e creio que ao leitor também) que, em geral, o chamado ‘carrão’ varre o chamado ‘carrinho’ da frente como se fosse um inseto; o ônibus, apesar de ser o maior veículo, não está na relação direta de “maior tamanho = maior poder econômico”, mas em geral, também interage com o espaço urbano (e com os seus passageiros transportados) de forma agressiva; os carros hostilizam e são hostilizados pelos motociclistas, que, invidualmente, estão em situação de inferioridade, mas, quando em grupo, a situação se inverte; por fim, muitos — mas muitos mesmo — carros grandes, carros pequenos e motos hostilizam ciclistas e pedestres, que são, evidentemente, os mais fracos e sempre levarão a pior num confronto direto.

Posso dizer algumas palavras sobre a minha vivência pessoal, caminhando pela cidade como venho fazendo a vida toda, e de maneira mais intensiva e sistemática há quatro anos. Não há um dia — nem sequer um dia — em que, saindo para caminhar, eu não passe por pelo menos um episódio em que eu não me veja ameaçado, acuado, aviltado, intimidado e desrepeitado em meus direitos de pedestre por algum veículo.

A propósito, no dia 24/11/2011, fui atacado por um motorista insano que: (1), sem olhar para a frente, acelerou para cima de mim quando eu terminava de atravessar uma avenida larga na faixa de pedestres (e tendo iniciado a travessia quando o sinal ainda estava verde para os pedestres); e (2) depois de me ver, continuou na minha direção como se eu não existisse. Sim, esse comportamento tem nome — o que aquele motorista cometeu foi uma tentativa de homicídio contra mim, uma tentativa qualificada com dolo, pois tendo me visto, continuou na ação iniciada, assumindo as consequências do seu ato. Ele estava consciente de que, fazendo assim, iria me tirar a vida. (A propósito, não esperar o fim da travessia do pedestre é infração gravíssima de sete pontos.) Confesso que naquele momento — naquele “flash” de uma fração de segundo que passa na mente de todo mundo que se vê em circunstâncias assim —  me vi coberto com jornais, com as viaturas em volta… Salvei-me porque saltei como faz um saltador em distância, para me defender.

A situação não é nada animadora. Veja algumas das (inumeráveis) matérias que tratam do assunto:

[1] Estadão, 08/08/2011 – 20 pedestres são atropelados no 1º dia de fiscalização em São Paulo

[2] R7.com.br, 11/07/2011 – Mais de 50 mil brasileiros são atropelados todos os anos

[3] Correio do Povo, Porto Alegre, 25/02/2012: Ato marcará um ano de atropelamento de ciclistas na Cidade Baixa

[4] Renata Falzoni / ESPN, 02/03/2012: Mais uma ciclista morre atropelada na Av Paulista

[5] Folha de SP, 02/03/2012 – Manifestantes deitam na Paulista em protesto contra morte de ciclista

[6] O Estado de SP – Acidentes provocados por motoristas embriagados em 2011

[7] Folha – Land Rover que atropelou jovem em SP tem 26 multas | Folha, 28/07/2011 – Polícia muda investigação de atropelamento de jovem em SP | Estadão, 08/02/2012 – Casal envolvido no atropelamento de Vitor Gurman deverá pagar indenização

[8] Pedal.com.br – Quatro ciclistas atropelados hoje no Brasil

[9] Último Segundo, 13/06/2011 – Executivo da Lorenzetti morre atropelado após cair da bicicleta em SP

[10] Época SP, 29/112011 – Flores e depoimento contundente no dia da primeira audiência do caso Márcia Prado

Não é uma leitura fácil, mas é altamente instrutiva. Isso para não falar nos atropelamentos por jet skis — o local e o ambiente naqueles casos podes ser diferentes, mas as causas são fundamentalmente as mesmas: irresponsabilidade, direção alcoolizada, despreparo e má formação (para não falar em casos-limite de habilitação comprada), prepotência, desprezo pelas regras do convívio social, agressividade…

Na minha avaliação, tal situação é insustentável. O que está em risco é a própria possibilidade de termos uma sociedade minimamente civilizada nas grandes cidades. Qual é a solução para isso? Uma reforma de mentalidade. Educação. Fiscalização rígida. Revalorização do pedestre e do trasporte público. Mudança de visão, por parte de toda a sociedade, quanto à questão da mobilidade. Se necessário, imposição de limites mais duros à ditadura do automóvel.

Uma outra mobilidade é possível. Mas será preciso lutar por ela.

Ato final para o Código Florestal

Chegará em breve à mesa da presidenta Dilma Rousseff, após a última votação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei da Câmara 30/2011, originado como Projeto de Lei 1876/1999, conhecido como Novo Código Florestal, que revoga a Lei 4771/1965. O projeto já foi votado pela Câmara e pelo Senado (que elaborou substitutivo) em 2011. O Deputado Paulo Piau (PMDB-MG) irá apresentar seu relatório final e a Câmara irá votar novamente no mês de março o texto enviado pelo Senado, podendo acatar ou rejeitar as modificações feitas. Finalmente, o projeto seguirá então para a sanção da presidenta Dilma.

O motivo de um post sobre o Novo Código Florestal estar aqui no Trajetórias Urbanas, e não, digamos, no meu blog de Filosofia da Ciência, pode não parecer óbvio à primeira vista. Afinal, não se trata de uma questão relacionada com o quadrivium moderno “Ciência / Tecnologia / Sociedade / Desenvolvimento”? Sim; logo, não seria, em princípio, de todo inadequado postar ali. Porém, na realidade, penso que há uma afinidade mais profunda em jogo aqui. Tanto a visão que permeia este Trajetórias Urbanas — i.e. viver a cidade, caminhando por ela e cuidando dela — quanto a visão da preservação do meio ambiente — e “preservação” entendida aqui em sentido forte: cuidado com o chamado “sequestro do discurso da sustentabilidade”, sobre o qual aliás pretendo escrever em breve  — tanto uma quanto outra estão, penso eu, conectadas a um mesmo ethos de base. Daí a opção por este blog como veículo para este post.

Os links acima contém tanto o texto integral e suas modificações quanto a documentação completa e o registro de toda a tramitação nas duas casas legislativas. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência preparou uma tabela comparando as principais diferenças entre o PLC 30/2011 e o atual código florestal em vigor. O Senado disponibiliza uma tabela completa das diferenças entre a versão inicial e a versão atual do projeto, bem como as modificações propostas nos pareceres das comissões.

A tramitação, as discussões e votações do novo código florestal geraram muita polêmica. Na percepção de consideráveis setores da sociedade, a versão atual do texto, tal como está, reflete os interesses do agronegócio e dos ruralistas, e dificulta a preservação das florestas, tendo até mesmo o efeito de anistiar desmatamentos anteriormente praticados. O equilíbrio está instável entre Senado, Câmara, Ministério do Meio Ambiente e Presidência, e a tensão é perceptível no ar.

Tenho notado que não é fácil agrupar, de maneira simples, os grupos e tendências representadas no debate em apenas dois grupos, aqueles que são “pró” e os que são “contra” o novo código. Há, é claro, os grupos numericamente majoritários; mas há também todos os matizes intermediários dentro desse espectro. Há os agronegociantes que são a favor do novo código (a maioria), mas há também os que são contra o novo código, os que são a favor do código antigo, etc. Há os ambientalistas que são contra o novo código (também a maioria), mas ao mesmo tempo há os que são a favor das mudanças feitas no Senado, os que são contra as mudanças feitas no Senado, alguns que consideram o antigo código era melhor… Enfim, o panorama é complexo, uma vez que o atual documento é uma colagem resultante de pressões e negociações variadas, faltando-lhe assim uma unidade mais profunda.

Destaco aqui alguns pontos de vista. A SBPC e a Academia Brasileira de Ciências já se manifestaram no ano passado e agora voltam a se manifestar, apontando problemas graves e possíveis consequências danosas do documento. O Instituto Socioambiental e a Fundação SOS Mata Atlântica são críticos em relação ao novo projeto. O Greenpeace é radicalmente contra o novo código e inclusive encabeça a campanha “Veta, Dilma“. No final de 2011, Washington Novaes escreveu uma coluna preocupada no Estadão.

Giant Steps

O título é da célebre composição de John Coltrane, que passou a ser um verdadeiro prefixo ou vinheta de Trane, e se tornou um verdadeiro standard do jazz moderno. Mas aqui não pretendo falar propriamente de música — isso é algo que fica para o meu outro blog, o Usina de Escuta.

O que acontece é que o título desse standard remete ao tema das caminhadas: o caminhante urbano sente-se capaz — mais do que isso, sente-se impelido — a dar “passos de gigante” (giant steps) de duas maneiras.

"Giant Steps". Giant's Causeway, na Irlanda do Norte. Foto: aprintis (Panoramio)

Uma: O fenômeno é bem conhecido de todo mundo que corre, caminha, pedala ou faz atividades aeróbicas em geral: após os primeiros dez minutos, as endorfinas levam a uma sensação de bem estar (conhecida em inglês como “runner’s high“, o “barato dos corredores”). A impressão é que poderíamos continuar caminhando ou correndo para sempre, indefinidamente.

Nesse momento, o praticante de caminhada deve exercer um certo grau de autocontrole para não se deixar levar de tal maneira que o faça perder o domínio sobre certos aspectos importantes da caminhada: o equlíbrio, a manutenção de um ritmo constante, a atenção ao relevo e às irregularidades do terreno, a segurança na pisada, o cuidado com o trânsito à sua volta e com as outras pessoas na rua, a visão periférica, etc.

Outra: A caminhada urbana pode ser vista como um modo de relacionar-se com a cidade — a cidade, esse organismo tão mais implacável, maciço e agressivo, tantas ordens de magnitude maior em tamanho do que a pessoa do caminhante. Vencer, passada a passada, as distâncias, o espaço urbano, — melhor: assenhorear-se dele, tornar esse espaço seu — é algo que tem uma carga simbólica, e não apenas simbólica, mas bem concreta também.

Foto: Fred R. Conrad / The New York Times

O caminhante urbano, e, muitas vezes, o pedestre de modo geral, exerce a posse da cidade de uma maneira específica. Ele não encara a cidade como meramente “aquela coisa extensa que se interpõe entre ele e seu destino, e que precisa ser transposta o mais rapidamente possível (de carro), e também da maneira mais protegida e isolada do ambiente que se puder”. As passadas do caminhante urbano, ao contrário, refazem os mesmos caminhos dos povos que, em tempos remotos, palmilharam aquelas terras; retraçam as pegadas do seus concidadãos e contemporâneos; reproduzem a trajetória dos cursos d’água que, em tempos imemoriais, esculpiram aquele terreno; dão o devido uso aosequipamentos urbanos.

Enfim, trata-se de um gesto que restitui, em alguma medida, o espaço da cidade àquele que é o seu legítimo dono (e que pode ceder, sob certas condições, o direito de uso aos automóveis). Isso, sem dúvida, é algo que causa uma sensação de bem-estar. Porque caminhar pela cidade — e isso vale não só para quem caminha por São Paulo, evidentemente: o meu leitor poderá aplicar o mesmo princípio à sua própria cidade, à cidade que ama — caminhar por ela, eu dizia, nos reassegura de que não somos meros usuários da cidade, não somos apenas inquilinos nela, mas sim que ela é nossa, e deve ser feita à nossa imagem e semelhança.

Foto: David Levene / The Guardian

Verba Volant, Scripta Manent, Parte 2

Verba volant, scripta manent…

… mesmo que seja inscrito em um muro ou uma calçada.